Todos nós, desde que nascemos, temos necessidade de formarmos vínculos com as pessoas que nos dêem a sensação de segurança, apoio e confiança.
Diferente do que muitas pessoas acreditam uma criança ao nascer, precisa mais do que a satisfação de necessidades fisiológicas como alimentação e higiene. Desde muito cedo esta criança já precisa de atenção, proteção, carinho, sentir-se amada e validada.
A qualidade da relação que ela estabelece com o seu cuidador é fundamental para o desenvolvimento de habilidades para lidar com as suas emoções ao longo da vida e também influenciará na forma com a qual se relacionará com as pessoas no futuro.
Imagino que ao chegar até aqui você já ficou pensando: ok! Então quer dizer que uma pessoa que foi privada de afeto ou cuidado, ou que sofreu algum tipo de abuso ou mesmo abandono, nunca mais conseguirá se relacionar de forma saudável com alguém?
Eu recomendo que você siga com a leitura, para entender melhor, mas já tranquilizo você que há outras possibilidades desta pessoa vir a estabelecer bons vínculos.
Como os cuidados na infância influenciam os nossos relacionamentos na vida adulta?
Para explicar melhor vou utilizar os conceitos desenvolvidos pelo psiquiatra inglês chamado John Bowlby (1907-1990), que dedicou a sua vida profissional às pesquisas sobre o desenvolvimento infantil e a formação de vínculo entre crianças e seus cuidadores. Ao lado de Mary Ainsworth (1013-1999) psicóloga norte americana, ambos descreveram brilhantemente o que chamou de Teoria do Apego e seus estilos: Apego seguro, apego inseguro evitativo e apego inseguro ansioso.
A teoria do apego é de extrema relevância para entendermos a nossa forma que estabelecemos vínculos emocionais e nos relacionamos uns com os outros.
Entenda os diferentes estilos de apego
Teoria do apego: Apego Seguro
É a forma de vínculo mais fortalecido, se dá quando a criança além de receber o afeto e contato físico do seu cuidador percebe que essa pessoa também se mostra acessível, disponível para atender as suas necessidades emocionais, assim como ajudá-la e protegê-la. Isso desenvolverá uma percepção de segurança e confiança na criança.
Com o passar do tempo, a medida que que a criança sente-se segura, se encoraja a “soltar a mão” da mãe (ou cuidador principal) para sair e explorar o ambiente. Mesmo em momentos de ausência física da mãe, ela consegue brincar e na volta de sua cuidadora o reencontro é comemorado.
Essa experiência contribui para que a criança, e mais tarde o adolescente ou adulto, aprenda a confiar nas pessoas, desenvolva a sua independência e autonomia.
Nos relacionamentos, geralmente possuem maior disponibilidade emocional para se conectarem com o seu par com confiança. Sentem-se seguros em compartilhar sobre seus sentimentos e/ou desconfortos o que gera uma relação transparente. Quando ocorre um afastamento temporário do outro, não ficam desconfiadas ou presumem uma má intenção e acreditam que se houver um conflito, podem resolver juntos e retomar a relação.
Teoria do apego: Apego Inseguro Evitativo
É uma forma mais desconectada, distanciada e indiferente, onde a criança não reconhece ou diferencia a figura do seu cuidador principal, e por isso não estranha a sua ausência, não sentindo a sua falta quando não estão juntos fisicamente.
Neste tipo de vínculo frequentemente ocorre a indiferença e desconexão da mãe quanto às emoções do bebê. Há pouco investimento de atenção e tempo para brincar, por exemplo, ou se o bebê cai, há pouca disponibilidade para ampará-lo e validar seus sentimentos.
Quando adultos, tendem a ter comportamentos mais independentes, com desconforto diante de intimidade ou proximidade. Frequentemente são pessoas que quando estão longe sentem falta do vínculo, mas ao se aproximarem do seu par podem se mostrar mais frios e indiferentes.
Muitas vezes podem ser percebidos como autossuficientes e verbalizam que manter relacionamentos dá muito trabalho e que não precisam de relações estáveis. Em geral possuem mais dificuldade de receber afeto, carinho e compartilhar a vida e afeto com outra pessoa. Por esse motivo, podem priorizar sua carreira e colocar foco suas conquistas pessoais e profissionais.
Teoria do Apego: Apego Inseguro Ansioso
É um estilo de apego no qual estão presentes o medo e a necessidade de a criança ficar muito “grudada” na mãe por sentir ansiedade e aflição quando este se vê diante da ausência dela.
Esse comportamento costuma ser observado em relações com mães super protetoras, que não passam a segurança de vínculo para a criança sair e explorar o ambiente, sabendo que ela estará lá se precisar ou quando voltar. Esse estilo de vínculo não estimula a autonomia e independência da criança.
Na vida adulta essas pessoas podem ter uma tendência maior a desenvolver dependência emocional em seus relacionamentos, vivem pouco a sua vida com independência, pois sentem muita ansiedade quando precisa fazer as coisas sozinha, o que é saudável nos relacionamentos. Com isso seus interesses giram em torno da outra pessoa e a necessidade de conexão é cada vez maior.
Teoria do Apego: Apego Desorganizado
Alguns anos mais tarde, foi descrito por Mary Main, um novo estilo de apego chamado de Apego Desorganizado.
Este estilo foi observado em relações que causavam confusão para as crianças, nas quais os seus cuidadores que, supostamente, deveriam protegê-las eram justamente as pessoas que lhe causam maus tratos, humilhação, abuso ou violência. Essas atitudes muitas vezes ocorriam no mesmo dia em que demonstravam afeto. Tal instabilidade despertava medo, confusão, vulnerabilidade e desconfiança da criança na relação.
Com o passar do tempo, esta experiência pode levar a pessoa a ficar muito perdida nas relações, ou seja, ao mesmo tempo que deseja vincular-se de forma saudável, sente-se muito desconfiada, não merecedora de amor ou culpada quando algo de errado acontece.
Embora o estudo que desenvolveu a teoria observou mães e seus vínculos com os filhos pequenos, é importante ressaltar que o próprio autor ao referir-se ao cuidador, considerava como sendo uma figura especial para a criança, que provesse os cuidados necessários e afeto.
Conclusão
Respondendo a questão feita lá no início do texto, a forma como estabelecemos os nossos vínculos iniciais serve como modelo para as nossas experiências futuras, já que tendemos a manter e repetir padrões de comportamentos aprendidos.
Vale lembrar que ao buscarmos identificar um estilo de apego, nos referimos a um comportamento comum, frequente, não algo que ocorreu uma única vez.
A criança que passou por uma experiência marcada por situações adversas de abuso e violência nos anos iniciais da vida, pode ter uma propensão maior a manutenção de vínculos abusivos, ou a evitação de assumir relacionamentos maduros na vida adulta.
Porém o nosso sistema de vínculos é flexível, e pode ser modificado ao longo do tempo com novas formas de vínculos às outras pessoas da família, na entrada da escola, com os professores e colegas, ou mais adiante com relacionamentos românticos e profissionais, por exemplo. Também precisamos considerar que o temperamento da criança é um fator importante, somado aos fatores do ambiente.
Essa relação rica, complexa, complementada pelas relações com outras pessoas, leva ao que se considera a base do desenvolvimento da personalidade e da saúde mental.
A psicoterapia é uma excelente oportunidade de ajudar as pessoas, sejam adultos ou crianças, na reconstrução do seu sistema de apego para o estabelecimento de vínculos mais saudáveis e seguros.