Antes de falar sobre invalidação emocional, caracterizar o que é e fazer algumas considerações sobre as consequências de uma pessoa crescer tendo seus sentimentos e emoções invalidados, trago um relato de história real para ilustrar o quanto comum, frequente e corriqueiro tem sido essa relação entre pais e filhos.

Certo dia estava celebrando o aniversário de um amigo, em um restaurante, e a minha atenção foi “sequestrada” por alguns instantes, para a mesa ao lado, quando presenciei a fala de um pai ao seu filho que não deveria ter mais de 4 ou 5 anos. Para contextualizar um pouco, o menino mostrava-se incomodado com algo, parecia um pouco entediado em ficar sentado na mesa enquanto aguardava a chegada do seu prato. O pai repetia em tom de deboche a mesma frase a cada fala do filho: “olha aí, parece uma menininha reclamando”. O menino respondia com voz de choro: “eu não sou uma menininha” e o pai seguia: “então não se comporte como uma”. Aquela conversa perdurou por um bom tempo.

Vi naquele momento uma criança sendo, repetidamente, invalidada em suas emoções, por um pai que tinha por prioridade, relaxar, tomar a sua cerveja e jogar conversa fora com as demais pessoas adultas que estavam à mesa. A mãe estava ali também, não dizia nada e também não parecia incentivar aquela conversa.

Vejo relevância em olhar para a situação com compaixão, sem julgamentos de certo e errado ou quem está com a razão.

Dito isso, esse relato não se propõe a julgar o pai que, provavelmente, reagiu da forma que ele aprendeu como sendo adequada para a ocasião e que, com boas chances, também recebeu esse modelo de educação. Aliás esse é um bom ponto para tocarmos.

Todos nós, quando pequenos, além de sermos alimentados e recebermos os cuidados com higiene e conforto, temos necessidades emocionais básicas que precisam ser supridas na nossa relação com os nossos pais durante a infância. Essas necessidades costumam ser atendidas a partir de vínculos saudáveis e contribuem para a saúde psíquica do indivíduo.

As necessidades emocionais básicas são:

1. Aceitação e conexão – as pessoas precisam sentir que são aceitas, importantes e acolhidas afetivamente. Aliado a isso, necessitam sentir-se protegidas quando sentirem vulnerabilidade e confortadas quando assustadas ou diante de algo visto como ameaçador.

2. Autonomia e competência – as pessoas, para irem atrás de seus sonhos e realizações, precisam conhecer as suas habilidades e competências. Para isso necessitam auxílio, orientação e incentivo para arriscar e conhecer suas possibilidades.

3. Expressão das emoções – todo o indivíduo têm o direito de ser respeitado ao se posicionar, expressar ou pedir o que necessita emocionalmente e ser atendido. Essa liberdade de expressão contribui para que a pessoa consiga regular as suas emoções e confie na sua capacidade de gerenciá-las.

4. Espontaneidade e lazer – Para além do cumprimento de deveres escolares ou de atividades extra-classe, a criança necessita de tempo e espaço curtir as sensações agradáveis dos momentos de lazer e descontração.

5. Limites realistas e autocontrole – Aprender limites, regras, acordos e lidar com frustrações são componentes importantes da vida. Ensinar para a criança de forma firme, mas com afeto e compreensão o que é certo ou errado, assim como a respeitar as emoções e o espaço das outras pessoas.

Agora que conhecemos as necessidades emocionais básicas, é importante saber que há uma relação transgeracional, ou seja, a priori os pais precisam ter recebido e tido as suas necessidades atendidas para conseguir suprir as necessidades dos filhos. Tendemos a reproduzir modelos conhecidos. Desta forma, se a mãe/ pai não teve a sua necessidade de afeto, empatia e/ ou validação supridas, por exemplo, ela pode não ter aprendido e portanto não possuir esse recurso para oferecer ao filho.

Bem, mas voltando ao relato acima, ele também não se propõe a defender que a criança deveria decidir o programa da família ou que não possa ser frustada em seu desejo de estar em outro lugar, quem sabe brincando com outras crianças. Mas por algum tempo me vi pensando em como aquela criança estava aprendendo a lidar com as suas emoções. Além da fala com tom irônico, de certa forma abusivo e machista do pai, ele estava mostrando ao filho que o que ele sente é errado, inadequado para um menino ou sem qualquer importância.

Mas afinal, em que consiste a invalidação emocional?

A invalidação emocional ocorre quando alguém nega, desqualifica, minimiza ou desconsidera as emoções sentidas por uma outra pessoa. É uma experiência frustrante e desrespeitosa que pode afetar negativamente o bem-estar emocional e psicológico de quem recebe esse tratamento.

A invalidação emocional pode ocorrer de diferentes formas:

  • Quando dizemos a outra pessoa que ela não deveria se sentir daquela maneira ou que seus sentimentos não fazem sentido
  • Quando dizemos para ela que é dramática, exagera ou superestima na expressão de suas emoções
  • Quando demonstramos não nos importar, reconhecer ou prestar atenção em como a pessoa se sentiu diante de uma determinada situação
  • Ao julgarmos e criticarmos a pessoa por sentir de uma determinada maneira, como se fosse errado ela se portar desta ou daquela forma, quando deveria ter empatia e compreensão
  • Quando se compara os sentimentos da pessoa a outros problemas mais graves ou situações mais sérias vivenciadas por outras pessoas, expressando com isso a desvalorização de seus sentimentos

A invalidação frequente dos sentimentos e emoções de uma criança, pelos pais, pode ter várias consequências significativas ao longo da vida adulta. Essas experiências podem moldar a forma como a pessoa lida com emoções, relacionamentos e consigo mesma.

Na prática podemos encontrar algumas possíveis consequências:

  1. Baixa autoestima – A constante invalidação pode levar a uma avaliação negativa de si mesmo e à crença de que os próprios sentimentos não têm valor.
  2. Dificuldades emocionais – a pessoa pode ter dificuldade em reconhecer, entender e expressar e regular suas próprias emoções. Essa é uma importante variável que contribui para o surgimento de transtornos como ansiedade, depressão, entre outros.
  1. Dificuldades nos relacionamentos – A invalidação repetida pode afetar a capacidade da pessoa de estabelecer e manter relacionamentos saudáveis. Pode haver dificuldades em se conectar emocionalmente com os outros e expressar as necessidades emocionais de maneira adequada.
  2. Busca constante por validação – Pessoas que tiveram seus sentimentos invalidados na infância podem buscar constantemente a validação dos outros, necessitando da aprovação e confirmação para seus sentimentos.
  3. Dificuldades na comunicação – se a pessoa não consegue reconhecer e regular suas emoções, pode tornar-se desafiador para ela expressar seus sentimentos de maneira clara e assertiva, o que pode levar a problemas na comunicação interpessoal.
  4. Evitação de conflitos – Por medo de ter seus sentimentos invalidados novamente, a pessoa pode evitar situações de conflito ou confronto, o que pode limitar o crescimento pessoal e a resolução saudável de problemas
  5. Padrões de relacionamento disfuncionais – A experiência de invalidação na infância pode influenciar os padrões de relacionamento na vida adulta, levando a escolhas de parceiros que replicam dinâmicas disfuncionais

Como visto aqui, a invalidação emocional pode ocorrer em diferentes contextos, seja na infância, quanto temos os nossos primeiros modelos e aprendemos a lidar com nossas emoções, seja na adolescência ou na vida adulta. Nestes estágios da vida, temos a possibilidade de confirmar e reforçar nossas crenças, ou aprender novas formas mais adaptativas e funcionais de lidar com a questão. A exposição a situações de invalidação de sentimentos não se resume a situações em casa, mas também nos relacionamentos pessoais, com os demais familiares, amizades ou até mesmo em ambientes de trabalho.

Quanto maiores forem os cuidados amorosos dos pais e o enriquecimento do ambiente para a criança, melhores serão as habilidades de conexão e autocuidado do indivíduo ao enfrentar o estresse na vida adulta.

É importante destacar que as pessoas têm diferentes formas de lidar com experiências passadas, e nem todos os indivíduos que experimentam invalidação na infância enfrentarão os mesmos desafios.

A psicoterapia pode ser um importante recurso para ajudar a pessoa a explorar e superar os efeitos negativos da invalidação sofrida ao longo da vida, promovendo o crescimento emocional e o desenvolvimento de estratégias mais saudáveis para lidar com os seus sentimentos.