Você já se viu em situações em que disse sim, mesmo que no fundo do seu coração uma voz ecoava, mandando você dizer não? A dificuldade de dizer não é algo tão comum que parece uma epidemia silenciosa do mundo moderno, principalmente entre nós brasileiros, que somos conhecidos pela nossa cordialidade.
Seja para ajudar um colega no trabalho, assumir uma responsabilidade extra ou simplesmente aceitar um convite que você não queria, essa dificuldade de impor limites é mais comum do que você imagina. Ela pode se tornar uma fonte constante de estresse, frustração (com você mesmo) ou até de desgaste emocional.
Fica comigo que eu vou contar algumas razões pelas quais é tão desafiador dizer “não”, os motivos psicológicos e sociais que estão por trás disso e, claro, como começar a mudar essa realidade de forma saudável e respeitosa consigo mesmo. Vamos?
A origem do problema: Por que é difícil dizer não?
Por que algumas palavrinhas tão pequenas – “não”, “não posso”, “não quero” – parecem pesar toneladas?
Para entender essa dificuldade, precisamos olhar para o passado. Muitas vezes, a dificuldade de negar algo está enraizada em experiências de vida, normas sociais e, claro, na maneira como aprendemos a lidar com nossas emoções.
Desde pequenos, somos ensinados que dizer não é feio, que precisamos ser “bonzinhos” e agradar aos outros. A psicanalista Karen Horney, já na década de 1940, chamava isso de “tirania do deveria” – todas aquelas regras invisíveis que nos dizem como devemos nos comportar para sermos aceitos.
Aqui estão algumas possíveis explicações:
1. A busca por aceitação
Desde cedo, aprendemos que agradar os outros pode ser uma forma de sermos aceitos e amados. Isso é especialmente comum em ambientes familiares ou escolares onde se valoriza muito o comportamento obediente e cooperativo. Essa dinâmica pode levar à associação entre dizer “sim” e ser aceito, enquanto dizer “não” pode parecer arriscado ou ameaçador para os relacionamentos. Por trás deste comportamento, estão pensamentos como: “e se a pessoa ficar chateada comigo?”; “preciso que todos gostem de mim”.
2. Medo de rejeição ou conflito
O medo de decepcionar os outros ou causar conflitos também é um grande obstáculo. Muitos de nós temos dificuldade em lidar com o desconforto de ver outra pessoa frustrada ou contrariada. Isso pode fazer com que prefiramos abrir mão das nossas próprias necessidades para evitar desentendimentos.
3. Normas sociais e culturais
Em algumas culturas, existe uma pressão maior em priorizar as necessidades do grupo em detrimento das individuais. Isso pode, além de gerar uma enorme culpa quando tentamos estabelecer limites pessoais, dar margem ao julgamento das pessoas que supostamente denominariam essa atitude como egoísta. Pensamento comum: “vou me sentir péssimo se não ajudar”.
4. Baixa autoestima
Quando não nos sentimos confiantes sobre nosso próprio valor, temos dificuldade em acreditar que nossas necessidades e desejos também importam. Isso pode levar a um padrão de comportamento onde dizer sim parece a única forma de sermos valorizados pelos outros. Um pensamento frequente: “não mereço estabelecer limites”.
O impacto de dizer “sim” o tempo todo
Embora pareça mais fácil dizer “sim” para evitar conflitos ou agradar os outros, isso pode trazer consequências negativas, tanto para seus relacionamentos quanto para a sua saúde emocional.
1. Estresse e exaustão
Assumir responsabilidades demais pode levar ao esgotamento. Quando você está constantemente atendendo às necessidades alheias, muitas vezes não sobra tempo ou energia para cuidar de si mesmo.
2. Ressentimento e frustração
Ao, repetidamente, abrir mão das suas próprias vontades, é natural que surjam sentimentos de frustração por não ter sido verdadeiro consigo mesmo ou até sentir ressentimento em relação às pessoas para as quais você está dizendo sim.
3. Desgaste nos relacionamentos
Curiosamente, dizer sim demais pode acabar prejudicando os relacionamentos. Quando não colocamos limites claros, os outros podem começar a depender excessivamente de nós ou até mesmo a desrespeitar nossos limites.
4. Perda de identidade
Se você está sempre priorizando os outros, pode acabar perdendo de vista quem você realmente é e o que é importante para você. Isso pode gerar um vazio interno e uma sensação de falta de direção na vida. Com o tempo a pessoa já nem sabe mais de que ela gosta ou como prefere fazer determinada tarefa.
Tem como dizer não de forma saudável?
A boa notícia é que, como qualquer habilidade, aprender a dizer não pode ser aprendido e praticado. Isso não quer dizer que você vai fazer um treinamento para ser uma pessoa negativa ou egoísta, mas que você pode aprender a estabelecer limites de maneira saudável.
Veja algumas dicas para começar:
1. Reflita sobre seus valores e prioridades
Antes de dizer “sim” ou “não”, pergunte-se: Isso está alinhado com o que é importante para mim? Ter clareza sobre seus valores e prioridades ajuda a tomar decisões mais conscientes. Se você precisar, peça um tempo para responder.
2. Reconheça seus limites
Todo mundo tem limites, e reconhecê-los é fundamental para uma vida equilibrada. Seja gentil e honesto consigo, isso pode proteger sua saúde mental e emocional.
3. Pratique respostas gentis e assertivas
Você pode recusar pedidos sem ser rude. Por exemplo:
- “Agradeço muito o convite, mas não vou conseguir participar dessa vez.”
- “Eu entendo a sua necessidade, mas não posso ajudar agora.”
- “Verifiquei a minha agenda e desta vez não disponho de tempo”.
Lembre-se de que o não já é uma resposta completa e não requer desculpas excessivas.
4. Você não é responsável pelos sentimentos dos outros
Você pode ser empático e respeitoso, mas não tem controle sobre como os outros vão reagir. Respeitar seus próprios limites é um ato de autocuidado, não de egoísmo. Cabe à outra pessoa lidar com o seu não e encontrar outra opção para atender a necessidade dela.
5. Comece aos poucos
Se dizer “não” parece assustador, comece em situações menores, como recusar algo simples. Aos poucos, você vai ganhando confiança para lidar com pedidos mais complexos.
Praticar na frente do espelho pode ser útil para você nas primeiras vezes, então use esse recurso!
O que a psicologia diz sobre isso?
A dificuldade de dizer “não” é um comportamento que pode ser explicado por diversas abordagens da psicologia, desde teorias sobre desenvolvimento e personalidade até estudos sobre cognição e comportamento social.
Carl Rogers (1951), na Psicologia Humanista, defende que o ser humano busca viver de forma autêntica e congruente com seus valores. No entanto, quando há uma necessidade excessiva de agradar os outros, a pessoa pode se afastar de sua própria identidade, vivendo em função das expectativas externas. Para ele a dificuldade de dizer não pode ser vista como um bloqueio na autorrealização, pois a pessoa se desconecta de suas verdadeiras necessidades. O caminho para superar isso, segundo Rogers, é desenvolver autoconhecimento e aceitar que impor limites não significa ser uma pessoa ruim, mas sim respeitar a si mesmo.
De acordo com a Teoria do Apego, descrita por Bowlby (1969) as primeiras relações com cuidadores influenciam fortemente como nos relacionamos com as pessoas na vida adulta. Crianças que cresceram em ambientes onde dizer não era punido com rejeição ou críticas podem desenvolver um apego ansioso, tornando-se adultos que buscam aceitação a todo custo. Além disso, crianças que aprendem que sua aceitação depende de serem obedientes e agradáveis podem internalizar essa necessidade, tornando-se adultos com dificuldade em estabelecer limites.
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) explica que muitas pessoas têm dificuldade em dizer “não” porque desenvolveram crenças disfuncionais, como: “Se eu disser não, as pessoas vão me rejeitar”; “Se eu não ajudar, sou egoísta”. Essas crenças levam ao comportamento evitativo: a pessoa diz “sim” mesmo quando não quer para evitar o desconforto emocional de uma possível rejeição ou conflito. A TCC trabalha esse padrão ajudando a pessoa a identificar e modificar esses pensamentos automáticos, desenvolvendo respostas mais assertivas.
Dica de leitura:
A psicóloga Harriet Braiker, em seu livro: A Síndrome da Boazinha: como curar a sua compulsão por agradar, fala sobre o impacto de dizer sim e atender às expectativas dos outros o tempo todo, trazendo consequências a nossa saúde mental. Ao tentar agradar a todos, as pessoas acabam ignorando seus próprios limites, o que pode levar a estresse, esgotamento emocional e até problemas como ansiedade e depressão. Ela reforça que estabelecer limites saudáveis é fundamental para o bem-estar e para construir relacionamentos baseados em respeito mútuo.
E agora, como posso mudar isso?
Agora que você entende melhor por que é tão difícil dizer “não” e como isso impacta sua vida, que tal começar a praticar?
- Liste situações que você costuma dizer sim automaticamente;
- Observe se há algum padrão, como pessoas específicas, contextos (trabalho, família, amigos)
- Quais emoções estão associadas quando você pensa em dizer não? E quando diz sim?
Quando você aprende a colocar limites e se respeitar, inspira os outros a fazerem o mesmo. Isso não torna você uma pessoa má e cada pequeno não é uma vitória na direção do seu autocuidado e do amor próprio.
Você tem dificuldade em dizer “não”? Já conseguiu estabelecer limites e percebeu os benefícios disso?
Eu posso ajudá-lo nesta jornada de aprender a dizer não de maneira saudável, para o seu bem-estar emocional e para construir relações mais autênticas e equilibradas.