Desde que fomos expostos a uma pandemia, com seu pico entre 2020 e 2023, que nos restringiu o convívio social presencial, e precisamos nos adaptar a um novo modelo de trabalho, falas como essa tem sido constantes por trabalhadores que experimentaram jornadas de trabalho em casa. Infelizmente, alguns destes casos evoluíram para o desenvolvimento do burnout no home office.
Com o passar do tempo, houve redução de casos de COVID-19 e, consequentemente, o fim do isolamento social, levando muitas empresas a adotarem modelos híbridos de trabalho, nos quais os trabalhadores passam parte do tempo em casa e parte do tempo no escritório da sua empresa; já outras empresas mantiveram seus trabalhadores integralmente trabalhando a partir de casa, enquanto outras ainda preferiram re-internalizar todos os trabalhadores de forma presencial.
Já posso adiantar para você que não há um consenso sobre o melhor modelo. Algumas pessoas comemoram outras sofrem com o trabalho em home office.
Se por um lado o trabalho remoto representa um conforto por várias razões, como flexibilidade de horário, economia de tempo e menor desgaste físico e emocional com trânsito, por outro tem sido um importante fator de contribuição para o agravamento de um quadro que já vinha sendo crescentemente alarmante, o desenvolvimento de uma doença relacionada ao trabalho – a síndrome de burnout, ou síndrome do esgotamento profissional.
Já escrevi outros posts sobre síndrome de burnout, mas para você que chegou primeiro por aqui, vale uma breve conceitualização. A síndrome de burnout ou síndrome do esgotamento profissional é uma condição de exaustão física, emocional e mental, relacionada ao trabalho. Trata-se de um estresse crônico, resultante de uma exposição prolongada a exigentes situações de trabalho e que não foram, satisfatoriamente, gerenciadas.
A síndrome pode ser compreendida a partir de três dimensões distintas, mas estreitamente correlacionadas: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização no trabalho.
A exaustão emocional pode ser compreendida como uma sensação de esgotamento mental e físico na qual o indivíduo acometido pela síndrome, acredita não possuir mais a energia e a vitalidade de antes para desempenhar suas tarefas no cotidiano do trabalho.
A despersonalização refere-se às respostas de impessoalidade e insensibilidade, gerando distanciamento dos colegas de trabalho, clientes e, inclusive, da instituição na qual trabalha.
Já a baixa realização no trabalho se refere à tendência a avaliação profissional negativa de si mesmo ao julgar-se incompetente diante da sua atuação laboral.
Como o home office contribui para o Burnout?
Embora nem todas as pessoas que cumprem a sua jornada de trabalho em home office relatem problemas quanto a esse modelo de trabalho, essa nova dinâmica tem se apresentado desafiadora para muitos profissionais.
Dentre os principais desafios então:
- nem sempre o trabalhador consegue delimitar bem as fronteiras que separam a vida pessoal e o trabalho;
- relacionado ao tópico anterior, nem sempre a família compreende que a pessoa está trabalhando, apesar de estar em casa, demandando tarefas ou fazendo interrupções em momentos inapropriados;
- o tempo de deslocamento, antes existente, em muitos casos, incorporou ao tempo de trabalho. Sendo assim, se antes havia um horário definido de saída do escritório, agora passou a ser considerado “útil” para adiantar tarefas ainda pendentes;
- antes havia uma desconexão do trabalho ao fechar a gaveta e sair do escritório, agora o trabalhador segue no mesmo ambiente;
- há uma tentativa de amenização da sobrecarga de trabalho ao antecipar e/ou adiantar tarefas pendentes, ficando um pouco mais tempo conectado (depois do que seria o expediente), ou usando o intervalo de almoço, ou ainda “pulando” as pausas que seriam naturais no escritório;
- redução do contato social, das trocas informais, das conversas breves sobre assuntos diversos, não relacionados ao trabalho, geralmente durante o cafezinho – uma prática saudável para o bem estar emocional. Um sentimento frequentemente relatado é de isolamento e solidão, especialmente por aqueles que moram sozinhos;
- expectativa (por parte da liderança ou colegas) de disponibilidade constante para estar sempre online e produtivo; algumas vezes sentindo-se pressionados a responder e-mails e solicitações de trabalho a qualquer momento do dia ou da noite;
- sobreposição de tarefas do trabalho e atividades domésticas, “já que…” está em casa. Podemos incluir aí além de tarefas rotineiras de organização da casa, cuidar dos filhos;
- o posto de trabalho nem sempre é definido, por vezes se utiliza um espaço da casa que está mais calmo e disponível, assim como nem sempre possui condições ergonomicamente corretas (com cadeiras e mesas adequadas para permanecer durante horas), resultando em dores físicas.
Tais questões listadas referem-se ao que consideramos como fatores ambientais. Eles sozinhos não são determinantes para o desenvolvimento de estresse e esgotamento profissional, precisam ser combinados com características de temperamento individual, modos de enfrentamento de situações cotidianas, estilo de vida, ou seja estamos nos referindo a diversos aspectos de fatores pessoais.
Isso inclusive nos traz a compreensão de porque algumas pessoas amam e se sentem extremamente produtivas nesta configuração, enquanto outras adoecem ou simplesmente não conseguem manter seus padrões de desempenho.
Para quem o home office funciona melhor?
Algumas pessoas conseguem ter a organização e autodisciplina ideal, independente de estarem trabalhando remotamente ou no escritório. Para elas não é um problema encerrar a jornada de trabalho no horário previsto, inclusive aproveitam o tempo que gastariam em deslocamento, caso trabalhassem presencialmente, para incluir atividades pessoais, como academia, uma caminhada com o pet ou até encontrar amigos para jogar conversa fora, por exemplo.
Além de disciplina, conseguem se planejar e executar as tarefas sentindo-se produtivas. Sabem que sempre terá mais uma tarefa pendente, mas também sabem que já priorizaram as tarefas urgentes e realizaram o suficiente por hoje, o restante pode ficar para amanhã.
Conseguem estabelecer limites, não aceitando cada vez mais demandas inviáveis de serem feitas de forma saudável, conseguem negociar melhor os prazos para as entregas, levantam a mão e pedem ajuda com mais facilidade.
O que fazer, para evitar o burnout no home office
Antes de tudo reconhecer que esse contexto é mais desafiador para você e portanto pode haver maior vulnerabilidade a tropeçar em alguns fatores associados ao trabalho em home office. Por esta razão, organizar e planejar algumas atitudes podem tornar essa convivência mais amigável:
- Delimite um espaço da casa, onde você monta o seu “posto” de trabalho
- Combine com familiares que moram com você sobre momentos de pausa e abertura para interrupções, para que não comprometa a sua concentração e produtividade
- Respeite seu horário de trabalho, evitando grandes distrações, para que você consiga realizar as suas atividades planejadas para o dia e também possa fechar ao final deste período
- Organize-se para cumprir as tarefas de rotina de casa fora do seu horário de trabalho ou nos momentos de pausa. Isso inclui preparar o seu almoço, para garantir que você não coma qualquer coisa só porque é mais prático
- Defina momentos de interação social, de prática de atividades físicas, de atividades prazeirosas, de estudos e etc. Essas ações são importantes para o seu autocuidado seja para saúde mental seja para a física
- Negocie prazos adequados ao que você precisa para a realização de tarefas e peça ajuda quando necessário
- Exercite estabelecer limites adequados para a sua necessidade
- Observe-se para identificar se seus maiores desafios se devem a demandas e cobranças do seu trabalho ou se há aspectos do seu comportamento, crenças sobre si mesmo e receios que impedem que você seja mais assertivo e seguro ao se posicionar e estabelecer limites razoáveis
Esse modelo de trabalho pode ser considerado ainda recente e portanto há poucos estudos científicos publicados sobre o tema. Dentre os existentes estão mais direcionados aos impactos do home office durante a pandemia de Covid-19, ou seja possuem esse viés de influência. O que sabemos e que essa realidade nos “empurrou” para uma mudança de comportamento, mais rápida, sem grandes preparos.
Na prática clínica acompanho, diariamente, pessoas fragilizadas e em sofrimento, por não adaptarem-se tão facilmente a esse modelo de trabalho e compreendem ser uma vulnerablidade apenas sua, o que não corresponde à realidade.
Você pode contar com ajuda profissional para superar desafios relacionados a sua relação com o trabalho, especialmente quando identifica oportunidades de desenvolvimento pessoal no que tange a habilidades ou atitudes pouco funcionais no seu enfrentamento.