O ciúme não é uma característica que define um transtorno mental, ainda que esteja presente em alguns funcionamentos mais inseguros, ansiosos ou que necessitam da outra pessoa para se sentirem inteiros. Mas defini-lo por essas características seria um viés simplista do que realmente se trata.
Ciúme é uma característica humana presente, em certa dose, em toda pessoa que cuida e zela por um relacionamento que julga ser importante. Está relacionado com a nossa tendência natural a proteger nossos interesses quanto a família, amigos e colegas.
A experiência do ciúme é desafiadora porque reflete emoções dolorosas e confusas que incluem amor, medo e, algumas vezes, até ódio por uma pessoa importante na sua vida.
Mas também é necessário explicar que o ciúme pode ser colocado em um “espectro” ou grau de intensidade e frequência, desde um ciúme comum, natural, humano e zeloso, até um ciúme mais intenso com qualidades obsessivas, podendo ser considerado como ciúme possessivo e até patológico. Este último se apresenta de forma mais extremada, chegando à perseguição e muitas vezes está associado a transtornos de personalidade.
Todas as pessoas sentem ciúme?
O ciúme é um sentimento um tanto controverso e complexo. Enquanto algumas pessoas acreditam que é necessário sentir ciúme como prova incontestável de amor, outras preferem negar, compreendendo como exposição de um “defeito”.
Por ser, culturalmente, considerado “feio” sentir ciúme, muitas pessoas tendem a esconder esse sentimento, inclusive de si mesmas. Neste caso o ciúme pode vir disfarçado de comportamentos invasivos, hipervigilantes, sem deixar espaço para que a outra pessoa faça algo que a pessoa com comportamento ciumento não saiba ou controle. Algumas vezes o ciúme também é interpretado como sinal de fraqueza, então assumi-lo implicaria em lidar com o seu orgulho e vaidade.
Como é o ciúme possessivo?
O ciúme que denominei antes como mais intenso, com um tom de necessidade de posse, controle e fiscalização, tende a ser utilizado, ilusoriamente, com a intenção de evitar uma possível perda. Comportamentos como esses costumam surgir quando a pessoa, “sequestrada” pelas suas emoções e pensamentos, os fazem numa tentativa de amenizar seu sofrimento. O paradoxo disso é que justamente esse comportamento, quando excessivo, pode levar seu(ua) par ao afastamento por não suportar essa forma disfuncional e conflituosa de se relacionar.
A pessoa que sente esse ciúme mais possessivo, rumina, muitas vezes, pensamentos de que seu parceiro ou parceira estaria o (a) traindo ou planejando uma traição. Esse padrão de pensamento nem sempre advém de um fato concreto, mas sim da suposição ou interpretação a partir de um olhar, de uma atenção especial atribuída a alguém ou uma gentileza feita a outra pessoa.
Aprender a diferenciar pensamentos e sentimentos sobre alguma situação, de fatos concretos é importante no gerenciamento do ciúme.
É normal sentir ciúme do passado de alguém?
Também denominado de ciúme retroativo, ou ciúme retrospectivo é quando o indivíduo com ciúme costuma dedicar bastante tempo buscando informações sobre o passado afetivo do outro, disfarçado de interesse ou uma curiosidade qualquer. Na realidade algumas pessoas são atormentadas por pensamentos e imagens de relacionamentos anteriores de seus atuais parceiros e parece intolerável imaginar que possam ter tido intimidade ou sentido amor por outra pessoa antes.
Esta busca por informações, muitas vezes serve para fazer comparações, como se esse passado ainda estivesse presente e representasse algum tipo de risco para o relacionamento. Assim, essa “investigação” pode estar a serviço de uma necessidade de controle e segurança. Algumas pessoas justificam esse comportamento como: “preciso saber se devo me preocupar com alguém que convive ou se aproxima dele (a)”.
Se a confiança é a base de um bom relacionamento, aqui temos um desafio para o ciumento, porque uma razão para essa necessidade de controle é a pouca confiança que sente em relação as outras pessoas.
De onde vem esse ciúme possessivo?
É comum perceber que as pessoas com comportamento ciumento, no fundo não estão bem consigo mesmas, especialmente ao que se refere a sua autoestima. Se elas mesmas não conseguem perceber o seu valor e amar a si mesmas, como podem acreditar que o outro fará isso? Essa é uma razão que leva a acreditar que podem ser enganadas e/ ou traídas e frente a essa autoavaliação e comparação, qualquer pessoa poderia se tornar mais interessante.
Um fator importante do ciúme é a incerteza quanto ao relacionamento, a partir da interpretação que se faz sobre uma situação geradora de insegurança. O estilo de apego (para saber mais leia esse post) é um dos elementos que contribuem para a construção desta percepção e interpretação do relacionamento. Há uma tendência da pessoa com comportamento ciumento, a um estilo de apego ansioso, com avaliações de insegurança e o receio de ser deixado, reproduzindo a sua experiência de vínculo percebida ao longo da vida.
Pode também ser um fator desencadeador do ciúme, uma pessoa já ter vivenciado experiências em relacionamento anteriores que a deixaram inseguras em confiar no seu par, seja por traições constatadas ou instabilidade frente a qualquer conflito, usando o tom de ameaça de término. Como consequência, pode acontecer de um relacionamento do presente ser prejudicado por erros cometidos em relações do passado.
Em que relações o ciúme pode estar presente
O ciúme, embora seja mais comum de ser associado aos relacionamentos românticos, pode ocorrer em outros contextos, como:
Entre amigos, quando acredita que o amigo prioriza atividades, disponibiliza mais tempo com outras pessoas ou que dedica-se a fazer novas amizades com interesses diferentes e portanto sentem-se excluídos ou preteridos. Situações como essas podem ser experimentadas com mais ansiedade e desconforto quando ocorre em relações de dependência emocional de amigos.
Em relações familiares, sejam irmãos, primos, quando crescem sendo comparados entre entre eles. Algumas frases são comuns de serem relatadas: você deveria entrar para a faculdade X como seu primo conseguiu. Seu irmão é mais inteligente, bem sucedido. Sua prima é mais bonita / alta, etc. Mas também pode ser observada quando um irmão sente que ocorre uma preferência pelo outro, que esse outro é privilegiado ou protegido em algum aspecto.
Nas relações de trabalho pode ser identificada entre pares que julgam haver uma preferência por parte da liderança, resultando em melhores oportunidades e reconhecimento para um deles.
Existe tratamento para ciúme?
A psicoterapia é altamente recomendada em casos de dificuldade no gerenciamento de emoções, sentimentos, pensamentos e comportamentos.
Durante o processo psicoterapêutico, a pessoa aprende a identificar a diferença entre ideias e percepções acerca das situações e fatos concretos. Além disso, aprende a respeito do tipo de pensamentos costuma ter e como lida com eles, passando a adotar pensamentos e comportamentos mais funcionais; aprende sobre a sua forma de se relacionar com as pessoas, entre outras questões.
Algumas vezes, o ciúme é vivenciado de maneira muito disfuncional, prejudicial, com pensamentos obsessivos, associados a comportamentos impulsivos e/ou agressivos contra alguém ou contra si mesmo. Neste caso, pode ser indicado acompanhamento psiquiátrico e uso de medicação prescrita por este profissional.
Se você se identificou com esse conteúdo, saiba que você não está sozinho e pode contar com ajuda profissional para aprender a gerenciar melhor as suas emoções. Você é mais que o seu ciúme, não é definido por ele, ainda que esteja presente em muitos momentos de sua vida e que o seu desejo seja se livrar dele.
Se você tiver interesse em ler mais sobre esse assunto, recomendo esta leitura bem acessível: Ansiedade 3: O medo da perda acelera a perda, livro de autoajuda escrito por Augusto Cury. Também esse livro que eu já recomendei em outras oportunidades: A cura do ciúme: Aprenda a confiar, supere a possessividade e salve seu relacionamento, de Robert L. Leahy.